terça-feira, 1 de março de 2011

Quando o Saber não Vem da Escola


Famílias brasileiras buscam o direito de ensinar seus filhos em casa, ao invés de mandá-los para a escola. Estima-se que, no Brasil, mais de 100 lares adotem o homeschooling, mas o número pode ser ainda maior.
 
Quem admitir que faz o homeschooling corre o risco de no dia seguinte ter um promotor de Justiça na porta de casa. Estou morrendo de medo de uma denúncia dos meus vizinhos.” A frase é de um pai que prefere educar seus filhos em casa, e não na escola, baseado no método chamado de homeschooling, que não é reconhecido no Brasil. Não há como saber quantas pessoas adotam a prática no país, mas, segundo o doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro João Malheiro, estima-se que existam ao menos 100 famílias adeptas. Porém, como os pais temem ser punidos se descobertos, esse número pode ser muito maior. Entre as motivações estão razões morais ou religiosas, problemas com experiências escolares anteriores (como o bullying) e distância entre casa e escola. Mas o principal motivo apontado pelos “homeschoolers” é a insatisfação com a qualidade do ensino oferecido pelas instituições públicas e privadas.

Evelise Maria Labatut Porti­lho, mestre e doutora em Educa­­ção pela Universidade Complu­­tense de Madri, na Espanha, reconhece que o homeschooling tem sido considerado uma alternativa pelos pais que não estão satisfeitos com a instituição escolar. Mas não vê o ensino domiciliar como a melhor opção. Para ela, a socialização de crianças e adolescentes seria o ponto mais delicado. “O convívio com outras pessoas, adultos, crianças ou jovens, é importante para a formação. A instituição escolar tem também o papel de favorecer as relações interpessoais. E conta com especialistas nas diferentes áreas, o que influencia na construção do conhecimento”, afirma.

Todas as pessoas que convivem com meus filhos dão testemunho de que eles são normais”, diz o pedagogo, professor de Filosofia e História da Educação na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Luiz Carlos Faria da Silva, que há cerca de três anos tirou da escola os filhos Lucas, 12 anos, e Júlia, 11. Ele e a mulher, a pedagoga Dayane, desistiram da educação formal por causa da insatisfação com o ensino e com os valores passados pela escola e dos relatos do filho de que estava sendo agredido por um colega.

As crianças estudam em casa, sob a tutela dos pais, mas fazem aulas externas de Matemática e Inglês, além de praticarem atividades esportivas. “Não existe problema de socialização, é só perguntar à fisioterapeuta e professora de dança da minha filha, ao mestre de Tae kwon do meu filho, à academia de natação, ao pediatra deles, aos vizinhos de prédio, à diretora da escola em que meus filhos foram submetidos a testes e a qualquer professor do meu departamento na UEM.” O caso está sendo acompanhado pela Justiça. O futuro ainda é incerto, mas já foi descartado o abandono intelectual, já que as crianças estão sendo educadas. O desempenho dos dois nos estudos é avaliado por meio de provas anuais, desenvolvidas pelo Núcleo Regional de  Edu­­cação. As crianças também devem passar por avaliações psicológicas. Segundo o pai, Lucas e Júlia podem voltar à escola aos 15 ou 17 anos, para estudos mais aprofundados.

Método internacional - Inglaterra, França, Canadá e Estados Unidos, onde estima-se que cerca de 2 milhões de crianças estudem em casa, permitem o ensino domiciliar. Nesses países, a formação acontece ao lado dos pais, ou de professores diretamente contratados por eles, com algum auxílio da internet. Segundo especialistas, um modelo semelhante poderia ser implantado no Brasil. Bastaria a comparação entre crianças da mesma idade, considerando o desempenho em provas e avaliações feitas em escolas públicas do seu distrito escolar. Testes cognitivos e entrevistas poderiam ajudar a avaliar o desempenho social e psicológico dos estudantes. “Qualquer pai no mundo é capaz de amar seu filho, dar contexto e buscar as ajudas necessárias para os conteúdos que a criança tem necessidade”, afirma o especialista em Grupos Operativos e mestre em Educação Claudio Oliver. Apesar de alguns pais praticantes do ensino domiciliar serem totalmente contra a escola, a instituição em si não é o problema, se­­gundo Oliver. “A sociedade individualista, competitiva e sectária em que vivemos, que nega a comunidade e a liberdade, é o problema. O que precisa ser discutido não é a escola, mas a sociedade enferma que ela representa e para a qual prepara”, diz.

(Gazeta do Povo, 01/03/2011 - Curitiba PR - Clipping 01.03.2011 - Adriana  Czelusniak)