quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Entrevista com Wanderley Quêdo, Presidente do Sinpro-Rio




"O professor não tem estímulo no setor privado"
No próximo dia 17, mais um passo da campanha salarial do magistério da rede privada da cidade do Rio será dado. Nesta data, diretores do Sindicato dos Professores do Município do Rio e Região (Sinpro-Rio) se reúnem com representantes das escolas particulares da cidade para negociações referentes à convenção coletiva deste ano. Será mais uma tentativa de negociações na busca por melhores condições salariais e de trabalho para os profissionais do magistério. Um quadro que, para o professor Wanderley Quêdo, presidente do Sinpro-Rio, não é dos mais favoráveis. Segundo ele, além de os professores da rede privada terem problemas semelhantes aos dos que atuam na rede pública, como, de maneira geral, salários abaixo da média de outras profissões com igual qualificação, ele destaca outras questões que contribuem para tornar mais complicada a situação dos que trabalham no setor privado. Entre estas dificuldades, estão a falta de incentivos para ascensão profissional, como plano de carreira, por exemplo.

"Os professores trabalham excessivamente, tanto na educação infantil, onde temos a dupla jornada, quanto na educação fundamental, ensino médio e educação superior, onde o professor não se basta em uma única escola e trabalha em dois, três colégios, e por aí vai", destaca o sindicalista. Nesta entrevista,  Wanderley Quêdo aborda outras questões como as perspectivas para a negociação das convenções coletivas deste ano para a educação básica e o ensino superior, a situação do profissional do magistério em cada um destes segmentos, dificuldades enfrentadas pelos educadores e as transformações no cenário educacional do estado, em especial, das universidades particulares. São grandes grupos financeiros, que possuem ações na bolsa, que controlam as principais instituições privadas. E as universidades que ainda não estão neste ritmo de se transformarem em Sociedades Anônimas estão se encaminhando para isto", analisa Wanderley Quêdo.

Folha Dirigida - Como está a situação do professor do ponto de vista salarial e das condições de trabalho na educação básica?
Wanderley Quêdo - Do ponto de vista salarial, a situação não é boa. Este é um problema dos professores, de um modo geral. Os pisos da categoria são baixos. Historicamente, essa é uma das grandes lutas do sindicato nas pautas de reivindicação, incluindo o aumento diferenciado para os pisos. Hoje, uma professora de educação básica, que atua no ensino fundamental, por quatro horas diárias de trabalho, ganha R$734,25. Isso para 20 horas semanais. Trata-se de um piso que consideramos muito baixo. Nós temos perseguido nos últimos três anos a política da reposição salarial pelo INPC completo, mais o ganho real. Ainda assim, temos a certeza de que só isso não vai mudar a situação do professorado.

Por que? Há uma estimativa de quantos profissionais, na cidade do Rio, encontram-se nesta situação salarial?
Cerca de 80% da categoria na rede privada do município do Rio de Janeiro trabalha com este piso de R$734,25, exceto o professor do 6º ano até o ensino médio, que ganha R$11,69 a hora/aula. Estes pisos são pagos por 80% das escolas da rede privada do Rio. Portanto, a política de reposição pelo INPC completo, que é um reajuste, mais o ganho real, é uma luta que permanecerá, mas entendemos que depois de 10 anos ela não modificou significativamente esta situação. Por isso, não basta, já que os pisos continuam baixos. Diante disso, é necessária uma política, um olhar e uma luta para que este piso tenha, pelo menos, nos próximos três anos, uma elevação diferenciada para que possamos, no mínimo passar, dos R$1 mil em 50% das escolas, daqui a três anos. Preciso que tenhamos esta compreensão e que esta luta seja abraçada pela categoria.

E no ensino superior? Quais as maiores dificuldades que os professores enfrentam?
O ensino superior já tem uma outra conformidade. Nele, nós temos a grande financeirização do setor privado da educação superior do país. O Rio de Janeiro, que possui uma das maiores redes de escolas do país, até por ter sido capital federal, possui um destaque nesta situação. No último censo, o de 2009, divulgado há poucas semanas pelo MEC, foi constatado que houve um aumento nos últimos anos de quase 50% do ensino a distância, que é um grande problema do ensino superior. A EAD entrou na pauta da educação das instituições de ensino superior privadas não para rincões, situações de difícil acesso não só físicas, mas financeiras ou, por questão de tempo. Este segmento entrou com um objetivo de lucro e de corte de custos.

Como o senhor vê este quadro?
A nossa luta é para que esta educação a distância seja regulamentada, remunerada de forma adequada e que tenha qualidade. Nós não somos contra, mas entendemos que a legislação mínima que existe precisa ser obedecida; que não existe a figura do tutor, mas do professor; que há um limite para estas questões e que tudo isso precisa ser trabalhado adequadamente. A educação superior no Brasil e Rio de Janeiro está financeirizada. São grandes grupos financeiros, que possuem ações na bolsa, que controlam as principais instituições privadas. E as universidades que ainda não estão neste ritmo de se transformarem em Sociedades Anônimas estão se encaminhando para isto. Este quadro gera uma precarização, porque a primeira coisa que as empresas fazem é cortar custos, demitir funcionários, reduzir investimentos, pesquisas, extensão e transformar a aula presencial em aula a distância. Estes são os grandes problemas da educação superior privada, além de que há os pisos irrelevantes ao trabalho, tempo de dedicação e à formação dos professores.

Quais são as reivindicações para o magistério da rede privada?
Nós mantemos as nossas campanhas institucionais. Os professores trabalham excessivamente, tanto na educação infantil, onde temos a dupla jornada, quanto na educação fundamental, ensino médio e educação superior, onde o professor não se basta em uma única escola e trabalha em dois, três colégios, e por aí vai. Professores universitários hoje, mesmo que trabalhem em uma única instituição, dão aula em cinco campi, um distante do outro. É difícil fazer tudo isso, almoçar, estudar, preparar aula e no fim, ainda estar de bem consigo mesmo. Este profissional, que não tem um local de trabalho, mas sim vários e, simultaneamente, vários turnos de trabalho, acaba cronicamente estafado e estressado. A primeira sequela é depressão, a síndrome de burnout, depois vem as outras piores, que levam até o afastamento da categoria da profissão. Não existe carreira docente na educação privada.

Por que o senhor diz isto?
No setor privado, o professor não tem estímulo algum, nem mesmo plano de carreira. Ele entra professor e sai professor. Estas campanhas buscam, então, a desnaturalização e informação da sociedade sobre as condições de vida e de trabalho do professor da educação infantil, básica e superior. O professor tem péssimas condições de vida e precárias condições de trabalho. E o somatório disso se traduz em uma qualidade de ensino muito ruim, e combina com coisas piores, como a violência que permeia a sociedade, que entra na escola e esse profissional sobrecarregado, com um ambiente precarizado, precisa também fazer outras funções, de atender pai, aluno, bancar de psicólogo e tutor. A agressão ao professor é gigantesca e o bullying também. Também temos outras campanhas, como a de unificação das férias dos professores. Como uma cidade que vai receber a Copa, as olimpíadas e outros eventos, pode ter escolas sem um calendário com o início e fim dos anos letivos concomitantes? Quando há qualquer tipo de paralisação por ordem do poder público, o professor é prejudicado. Mas quando isso ocorre, o governo se exime e diz que é um problema privado. Estas são questões fundamentais. É preciso um calendário escolar unificado para ordenar a cidade para receber esses eventos. É melhor sempre prevenir que remediar.

Este ano, o sindicato buscou antecipar as negociações. Por que?
Todos os anos nós acompanhamos sempre a nossa data-base, que é 1º de abril, tanto para a educação superior, quanto para a educação básica. Só que, com a estabilização da moeda, de uns oito anos para cá, as escolas se sentiram confortáveis porque sem o pico inflacionário, verificamos que elas passaram a se planejar com antecedência e a elaborar as planilhas em outubro, em sua maioria. Toda vez que começávamos a negociação, o sindicato patronal colocava um obstáculo, pois a planilha já havia sido fechada. Quando uma escola planeja em outubro a sua planilha, ela cobra a mensalidade reajustada em 1º de janeiro, por isso recebe de 5% a 10% de reajuste já neste mês e só paga o reajuste do professor no dia 1º de abril. Então, ela tem três meses que ela faz um caixa e se recupera de qualquer problema. Com uma economia estabilizada, há previsões muito mais fáceis de serem feitas. Calcular o reajuste dos professores e a reposição salarial deles sempre por baixo, e calcular as mensalidades sempre pelo alto significa o princípio básico da iniciativa privada: o lucro.

Esta linha de atuação partiu do próprio sindicato ou é uma orientação de âmbito mais geral?
Nós somos filiados à Confederação Nacional dos Trabalhadores dos Estabelecimentos de Ensino (Contee) e a nossa confederação fez em julho de 2010 o Seminário Nacional que orientou todos os sindicatos de professores da rede privada do Rio a anteciparem para o segundo semestre do ano, as negociações de 2011, até para acompanhar e interferir nestas planilhas. Foi o que fizemos, mas vieram as eleições e um pico na inflação, que retardaram esse processo. No entanto, isso não nos impediu de convocar os professores e avisá-los da antecipação da campanha salarial. Aprovamos em dezembro uma pré-pauta com as linhas gerais da campanha, o que nos deu autorização para em fevereiro retomarmos a negociação do patronato. Com isso, já terá saído o INPC de dezembro, que teve uma pequena queda, e o INPC de janeiro. Assim, teremos condições de nos basearmos em questões concretas. Temos uma paritária marcada para o dia 17 de fevereiro para a educação básica. Em janeiro conversamos com o sindicato patronal para iniciar as negociações para a educação superior.

Nos últimos anos, quais problemas o sindicato tem enfrentado na negociação para a Educação Básica e para o Ensino Superior?
São três grandes desafios. O primeiro foi com a própria categoria. Estamos lutando para a reeducação da categoria, para desnaturalizar as negociações coletivas. A política de reposição salarial correta, INPC completo e mais o ganho real realizada nos últimos anos, deu uma naturalização dos acordos feitos para a educação básica e superior, mas isto se reverteu com a financeirização e mercantilização dos
últimos três anos muito rapidamente. Na educação básica, a política correta já não garante mais uma melhora significativa na qualidade e no padrão de vida deste professor porque, mesmo com os ganhos reais que possam ser de 1% ao ano, para um piso de R$8,16 a hora/aula na educação fundamental e infantil, mesmo que houvesse um aumento de 10% no Rio, nos passaríamos de R$8,16 para R$8,90. Isso não implicaria em um impacto significativo na vida e na qualidade de vida do profissional da educação infantil. Esta política, por si só, já não basta, por isso contamos com a contribuição da categoria, pois precisaremos ter embates mais duros com o patronato, que é insensível em relação aos pisos baixíssimos que contrastam de uma mensalidade muito alta. Das escolas que compõem o quadro daquelas que pagam 20% acima do piso, e até mesmo 50% das escolas da rede privada do Rio, elas cobram, no mínimo, de R$500 a R$1.500 em suas mensalidades, essa é a média. Um aluno já pagaria o salário do professor, dois alunos pagam os encargos sociais dele. Por fim, com cinco alunos, se recupera todos os custos desta escola. Agora, em uma sala de aula, nunca tem cinco alunos. Tem 25, 30 e até mais.

Quais os outros desafios para a negociação?
Outro desafio é desfazer mitos que a sociedade possui. Os pais acreditam que o professor tenha três meses de férias, o que não é verdade. Em grande parte do tempo em que os alunos estão de férias, o professor está na escola. A sociedade precisa ter a consciência de que o professor trabalha em mais de uma escola e é superexplorado. Como os pais também pagam mensalidades altas, acham que o professor ganha bem. Até uma diarista hoje, por mais precarizado que seja o trabalho dela, ganha mais que uma professora formada. Com todo respeito às diaristas, pois elas tem mais que cobrar e exigir um trabalho regularizado. Os nossos grandes desafios são com o próprio professor, outro com o patronato, e em terceiro, com a sociedade.

Em 2011, o Sinpro-Rio comemora 80 anos de existência. Poderia nos fazer um balanço das contribuições e conquistas alcançadas pelo sindicato nestas oito décadas?

As primeiras conquistas feitas por este sindicato são as suas convenções coletivas de trabalho históricas, que são referências para o país. Por isso, a categoria não pode, de forma alguma, afastar-se do sindicato. Ela tem que estar nas assembleias, atos públicos e estar preparada para até mesmo paralisações e greves. A categoria tem que defender o seu patrimônio, que é o seu sindicato, as suas convenções coletivas de trabalho e a defesa da escola pública. São seus 25 mil associados que convocamos para participar da luta. Nosso interesse é recompor, na categoria, uma nova geração de professores. Temos também que preparar o sindicatos para as modificações no mundo do trabalho, a EAD por exemplo, é uma realidade e precisamos saber utilizá-la.

(Folha Dirigida, 08/02/2011 - Rio de Janeiro RJ - Michelle Bento - Clipping 09.02.2011)

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